sábado, 24 de abril de 2010

Sejam bem vindos camaradas!

A literatura africana de língua portuguesa parece ainda distante de nós, ou ao menos restrita aos nomes de sempre como José Eduardo Agualusa e Mia Couto. Ondjaki, angolano de trinta e pouco anos e que agora reside no Brasil, pode ser uma porta de entrada perfeita para essa literatura. Neste "Bom dia Camaradas" somos transportados para uma Luanda (capital de Angola) pós-colonial, que tenta tornar-se moderna e apagar de alguma forma as profundas marcas deixadas pela guerra civil. A história não tem nada de extraordinário, porém a forma como e´contada, repleta de lirismo e coloquialidade, contagia o leitor. O dia a dia narrado por um menino, suas descobertas, a presença dos professores cubanos, dos recém chegados aparelhos eletrônicos, da comida, enfim, a retomada de um sentimento comum a todos - a saudade da infância - carregada de influências brasileiras que vão de Guimarães Rosa a Caetano Veloso, fazem deste livro uma delicia. Porque como diz Luiz Ruffato no comentário sobre a obra "não é o que se conta o que importa, mas como se conta". Portanto, sejam bem vindos camaradas.

Uma breve novela

Após sair batendo a porta, R. desceu as escadas do prédio sem nem ao menos lembrar que estava no décimo segundo andar e que poderia ter usado o elevador.
Sua cabeça doia por demais. Na boca tinha um gosto adistringente. Pela retina via um video clipe infinito. O zunido no ouvido era interminável. Jamais experimentara uma sensação como essa. Adrenalina e ansiedade em doses cavalares. Mas, poucas horas antes estava tão diferente.
São Paulo, 16h45. R. apresenta seu seminário sobre poesia intimista do século XIX. Fala da influência de Schopenhauer e faz pontes de contato com Hegel e o existencialismo de Heidegger. A plateia fica ligada. Parecem estar ali reunidos o supra sumo da futura intelectualidade paulistana.
Neste mesmo instante. Um grupo de amigos reúne-se para tomar uma cerveja. Que se foda poesia intimista e filosofos alemães. Querem ganhar dinheiro vendendo pílulas de um pseudo conhecimento. Coisa típica de uspianos e afins, que disfarçadamente se colocam numa torre de marfim. Levam a ferro e fogo o que disse Sartre: "O inferno são os outros".
Itabuna, 1947. I. nasce com ajuda da parideira-curandeira do vilarejo de Algodão. Era apenas mais uma entre onze filhos de S. e D.
Itaboraí, 1950. I. vem ao mundo com a ajuda de G., que parecia saber e fazer de tudo sem que ninguém pudesse dar um palite se quer.
(continua...)

terça-feira, 6 de abril de 2010

Beatles - When I'm 64

Entrevista com o escritor português José Saramago

Los Hermanos - Conversa de Botas Batidas

Ponte Hercílio Luz

É sempre muito bacana viajar. O que você consegue aprender é muito mais do que num livro ou num guia de viagem.

Sempre tive vontade de conhecer Florianópolis. Não me arrependi. Pena que seja um exemplo tão singular num país que sucateia suas cidades e consequentemente seus habitantes.

Pensou e escreveu o seguinte:

"Hoje já não tenho como reconhecer se estou certo ou errado. Na verdade, pareço ter duas vidas: uma que não é minha e outra que pertence aos meus. Estranho? Imagine isso dentro do peito e da mente!? Trabalhar, estudar, ser amigo, formar opinião, ser pai, ser amigo, pensar, escrever, torcer, amar, transar. Seria isso realmente o viver? Não sei mesmo. Difícil dizer até que ponto tais coisas podem ser chamadas de vida. Prefiro esperar. Embora, e isso é uma verdade inapelável, precise mandar muitas coisas às favas, somente o fato de pensar na situação, já é uma demonstração de amadurecimento."
Logo após escrever este trecho em um de seus cadernos, F. saiu para mais um dia louco pela megalópole. Reunião na editora; lecionar no cursinho; apresentar seminário sobre António Patrício; ficar preso no trânsito; comer mal; sorrir e agradar mesmo de saco cheio; ser paciente e politicamente correto. E com uma vontade de apertar o botão do foda-se. Mas, quem vai pagar as contas se...

quinta-feira, 1 de abril de 2010

Caminhar

Vamos caminhar. Sim, tentaremos mais uma vez. Jogue essas muletas pra lá. Pare de se escorar nessa mulher perfeita que tenta ser. Não sou certinho e nem pretendo ser. Mas, venha cá. Deixe te mostrar um pouco a vida fora de suas muralhas. Sim, existe droga no mundo. Trombadinhas, prostitutas, crianças de rua, pedintes, filhinhos e filhinhas de papai com seus carros envenenados. Baladas para pobres e ricos. Baladas para evangélicos e ateus. E livros sérios e de autoajuda. E a cidade alaga e também fica bonita quando tem sol. E ela apenas soma, mesmo que o que lhe é demais também faça mal. Tenho filhos e já tive mulheres, muitas. E teve época de não ter nenhuma. Porém, isso, assim, continue. Dê mais um passo. Não se preocupe, muita gente morre, mas muita gente nasce. Bobo né. Embora lógico. Venha, beije. Isso, com a língua, mordisque os lábios. Sugue-os. Sinta a respiração acelerar-se. Bom. Gostosa sensação. Continue. Caminhe mais um pouco. Sim, desabotoe. Solte. Jogue. Liberte-se. Claro, deixe a música de fundo. Tome. Vinho faz bem e liberta os pecados. Veja. Sinta. Deixe subir. Continue. Caminhe para essa direção. Agora está pronta. Apague a luz e...