terça-feira, 9 de março de 2010

Seis

Seis

Não se deve despender energia remoendo picuinhas e colocando minhoca na cabeça. Ainda mais quando esperam tanto de você. Isso sem contar com a própria consciência a respeito da capacidade, do tempo e das coisas que ainda estão por serem feitas. Sei que não é fácil, mas só me toquei disso no dia em que finalmente pude me mudar para a casa que levei seis anos para construir. Não era grande, mas cabia e guardava minha família, meus cd’s e meus livros; e isso me deixava satisfeito.
Como foi lindo ver os sorrisos ao abrirem a porta da sala, observarem o piso dos quartos e o azulejo na cozinha. Ao darem descarga no banheiro pela primeira vez. Nossa primeira noite. Que maravilhoso foi tudo aquilo. Guardando os pratos, copos, lustra móveis, papel higiênico. Pedimos pizza e coca-cola para não ter que fazer comida e também para dar um ar de festa àquela comemoração. É! Não foi fácil. Chegamos a desistir e a retomar novamente o rumo. Desistimos de novo. E de novo retomávamos. Foram seis anos, duas copas do mundo, duas olimpíadas, dois mandatos do mesmo presidente. Compramos coisas que foram para o lixo ou para a casa de algum vizinho ou parente. Atrasamos muitas contas e comer ovo era comum.

Nossa! Que lindo! Nossa casa! Maravilha!
Casa nova, vida nova. Vou fazer caminhada agora. E vou levar meu amor ao teatro. Ela já lê Machado. Falta a Márcia Denser e o Mirisola.

Não se deve desperdiçar energia. Os momentos de euforia devem ser contidos nem que seja com Prozac. Seis anos é muito tempo. Como brigamos!? Porém, chegamos até aqui. Colocamos vidros canelados e pintamos de branco o que era de aço e cinza.
Às vezes dormíamos cedo, só para economizar na conta de luz. O banho deveria ser rápido. Uma vez ao dia.
Comemos ovo de páscoa caseiro e compramos roupas no Brás. Seis anos se passaram e nós conseguimos. Sabemos agora o quanto devemos nos amar. Não vamos perder tempo imaginando bobagens. Não estraguemos tudo. Uma casa. Nossa casa. Pequena e linda. Colocamos um móvel na sala para eu guardar meus livros e meus cd’s. Estou feliz por isso. As crianças nem conseguiam dormir. De um lado uma parede rosa. De outro azul. Veneziana com grades. Painel de fotos ao lado da porta. Eles não conseguiam dormir. Pulavam de uma cama para outra. Eles também chegaram lá. Alcançaram o sonho.
Agora me pergunto por que demorei tanto? Por que mudei de idéia tantas vezes, se a felicidade estava aqui tão perto? Ora, o que são seis anos? Daqui seis anos, seremos seis vezes mais felizes e teremos seis brigas feias, seguidas do mesmo número de reconciliações. Daqui seis anos direi ao meu amor o quanto eu quero envelhecer junto a ela. Mas só daqui a seis anos. Hoje, não. Hoje quero sentir esse amor seis vezes mais novo. Seis anos antes da vontade de envelhecer. Quero apenas um chaveiro para cada um de nós. Um de coração para ela e um de bola de bilhar para mim. Quero dividir a casa, as tarefas e a vida.

A metamorfose

A metamorfose

Nasceu. E em tempos de ditadura, por si só isto já seria motivo de grande alegria e comemoração para seus pais. De início um susto, uma vez que não chorou, mas um tapa do médico aliviou o susto da mãe ao ver seu filho sujo e roxo, abrir a boca e fazer o mundo ouvir que estava por aqui.
Na primeira noite sonhou. Sonhou também na segunda, na terceira e desde então não parou mais. De tanto sentir que o filho sonhava, a mãe também sonhou e quando acordou havia colocado no mundo mais duas meninas.
O primeiro grande sonho de que ele se lembra acabou no Sarriá em 1982. Como tantos outros meninos, queria jogar futebol. Depois, por achar engraçado ouvir com o estetoscópio do médico seu próprio coração, já tinha outra vontade, que acabou no fatídico dia em que um corte no pé o fez sangrar e abandonar a medicina. O tempo passou. Muitas outras vontades vieram: a música, ciência, novamente o futebol, quem sabe o cinema (achava bonita a estátua do cara careca banhado em ouro), mas foi um acidente que o fez mudar por completo o mundo que o cercava. Maldito o dia em que inventou de entrar na biblioteca da escola. Uma cadeira fora do lugar. Um garoto desatento. Um tropeço. A batida da cabeça na estante de livros. Pronto, estava feita a desgraça. O menino que sonhava em ser jogador de futebol, médico ou ganhar o Oscar, ganhou um galo na cabeça e um outro e derradeiro sonho, quando pegou o livro com nome de doença e com o nome de quem o escreveu mais estranho ainda, que falava do cara que virou inseto e fez aquele garoto, trinta anos depois, querer ser escritor.

come back

Um bom filho a casa torna. Voltei para o mundo das letras, de onde, aliás, não poderia ter saído.
Senti muitas saudades do ano de 2009. Foi algo maravilhoso, mas que passou. O ano de 2010 começou a todo vapor. Mestrado na reta final, professor do Objetivo, mais um livro revisado, e a possibilidade de escrever para o jornal Rascunho Literário.
Sim, senti mesmo muitas saudades. De algumas pessoas senti muito mais. Algo que ao consigo nomear e que apenas algumas músicas conseguem ao menos simbolizar.
Postarei um texto mais longo em breve. (hoje à noite!).